sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Adiado o espetáculo

Pela terceira vez este ano, a audiência pública que tratará de um projeto de lei que proíbe o uso de animais em circos, prevista para o dia 4 de novembro, é adiada. Existe um lobby pesado por parte dos donos de circo, que querem convencer os parlamentares a não aprovarem o projeto de lei, alegando que os protetores dos animais querem acabar com a tradição das artes circenses. No entanto, essa é uma forma de ofuscar o trabalho dos artistas de circo, o que faz dos animais, a maioria em risco de extinção, uma forma de exibicionismo e um desrespeito ao animal, que, fora de seu habitat natural, é submetido a truques que vão contra seu comportamento selvagem.

E para não dizer que é impossível não utilizar animais, o Circo Mágico de Moscou está em Brasília para dar o exemplo. Os espetáculos não utilizam mais animais, que foram entregues voluntariamente pelo circo a instituições de proteção, e hoje estão na luta contra essa exploração. “Circo sem animal é mais legal” é um projeto conjunto entre o Circo Mágico de Moscou, ONGs e ambientalistas, com apresentações que acontecem do dia 17 de outubro até 8 de novembro, no estádio do Mané Garrincha.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Leitura libertária

Há um mês, a rotina de aproximadamente 400 detentas mudou de forma crucial. Desde setembro, o que antes era conhecido como “ponto cego” do presídio feminino deixou de ser um esconderijo de tramas para se tornar o principal ponto de interesse das presas: a Biblioteca Maria da Penha. O acervo conta com cerca de 3 mil livros, adquiridos através de doações da comunidade, e é coordenado por Maria Luzeni Soares, 40 anos de idade e advogada criminal, condenada por cometer crime de estelionato. Os banhos de sol no presídio feminino deram um tempo aos esportes e se tornaram espaço para verdadeiras viagens através da imaginação das detentas, que ocupam todos os espaços disponíveis no concreto do pátio sentadas e afundadas na leitura.

A verdadeira liberdade está no pensamento e nos sonhos das mulheres, em sua maioria jovens presas por tráfico que mal abandonaram a adolescência, que encontram, nos livros, uma forma de se esquecer do mundo. A rotina e o comportamento delas não foi mais o mesmo. Até as brigas diminuíram. Agora, os livros são a principal atividade das detentas no presídio, levando-as a um estado de verdadeira liberdade: a liberdade das idéias e da imaginação.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Aceitação do inaceitável

Esta quarta-feira (8) tornou definitiva a decisão do governo quando o presidente Luis Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Arouca. Ela prevê a regulamentação do uso de animais como cobaias em experimentações e pesquisas científicas no país, e há 13 anos perambula pelo Senado, onde, em 9 de setembro, conseguiu unanimidade dos votos pela sua aprovação. Enquanto a União Européia avança e determina o fim dos testes em animais na produção de cosméticos em 2009, o governo brasileiro ignora a opinião do público e aprova uma lei que nem mesmo tem o conhecimento de parte significante da população. A mobilização de protetores dos animais realizada no dia 18 de setembro em frente ao Congresso, que estendia um varal com cerca de 23 mil assinaturas contra a aprovação da lei sem que haja discussão com o público, não teve a visibilidade merecida. Nada de diferente para o Brasil, que sempre foi lixo industrial dos países desenvolvidos e passará a terceirizar essa prática, já condenável em outras partes do mundo.

A realidade mórbida da vivissecção e experimentação animal ainda é ofuscada pelo interesse de cientistas e indústrias farmacêuticas. A desculpa utilizada é a necessidade da regulamentação da prática e do estabelecimento de normas e critérios éticos – fantasia criada para iludir o povo que, ingênuo, busca uma relação harmoniosa entre seres humanos e a natureza. Mas enquanto houver exploração, essa relação não existe. Não há como falar em ética quando o que está em jogo é a vida e a dignidade de outra criatura viva. O filósofo Albert Schweitzer enuncia isso perfeitamente: “o erro da ética até o momento tem sido a crença de que só se deva aplicá-la em relação aos homens”. A solução para esse problema só pode ser sequer pensada quando o ser humano abandonar o centro do mundo para dar espaço a uma nova perspectiva não-antropocêntrica.

Brasilialidade

A maioria das cidades pipocam no mundo. Elas acontecem. Brasília não acontece. Brasília já foi construída e formatada para existir. Mas que Brasília é essa, capital do Brasil? São tantas Brasílias que eu ainda não conheço todas. Conheço aquela Brasília da cúpula, fechada, que se limita às extensões das “asas” cuja denominação nem mesmo existe em seu projeto original – a menos que cruz tenha asa e eu não saiba. Conheço a Brasília limpa e livre visualmente, a Brasília do fácil transporte (a pé), dos centtros comerciais e administrativos, da beleza incontestável de um céu aberto, a Brasília que o dinheiro pode mostrar. A Brasília da miséria passa despercebida. A Brasília dos cidadãos que dormem na rua, das crianças que trabalham no sinal, das mulheres que são vendidas na rodoviária, da prostituição, da violência, dos assaltos, da corrupção e dos assassinatos - dessa Brasília, a gente esquece.

Mas existem outras Brasílias também, que só agora estou descobrindo. A Brasília das políticas, das peças, das músicas, dos cinemas, das conquistas e das lutas sociais. Existe a Brasília dos prédios mais altos, a das casas baixas, dos aglomerados, dos espaços abertos, a Brasília de fora da cruz e a que fica aqui do lado, a Brasília bonita de parques e flores, e a Brasília incógnita, dos farrapos e vidros quebrados. São tantas brasilialidades, que eu acho que a cidade é uma só: é ela e todas as outras.

Quem foi que disse que Brasília não acontece? Ela acontece, sim. Aconteceu e eu nem vi.